Este é um exercício antigo da Puc Paraná. Ocorre que ainda válido.
Creio que conhecer bem a chamada nova classe média é fundamental. Por isso - e graças à Thaís R que me pediu agora neste domingo - reforcei a proposta com textos interessantes. Um deles até duvida de que exista mesmo a nova classe. Que tal ler um tanto? Mas não é preciso ler tudo ,não. Só leia o possível. PROPOSTA AQUI http://www.cpv.com.br/vestibulares/puc-pr/2011/semestre1/provas/prova_pucpr_2011_sem1_p11.pdf
TEXTO INTERESSANTE, VAI PERDER? " a CLASSE MÉDIA BRASILEIRA É MUNDIAL'' . oLHA QUE SUPER!
http://cps.fgv.br/sites/cps.fgv.br/files/artigo/oc825a.pdf O PRÓXIMO TEXTO É ENORRRME. LEIA UM TRECHO. REPARE QUE O JESSÉ QUESTIONA A CLASSE MÉDIA. ELE ACHA QUE ELA NÃO EXISTE NADA. Em entrevista à Folha de S.Paulo deste domingo (13), o sociólogo Jessé Souza fala e questiona a ascensão de uma "nova classe média" na era Lula. Ele não discorda dessa ascensão. Entretanto, discorda que esses passam a fazer parte de novo estrato social.
Autor de "Os Batalhadores
Brasileiros", Souza afirma que a ascensão social de 30 milhões de
pessoas no governo Lula não produziu uma "nova classe média", mas
uma classe social diferente, que ele chama provocativamente de "batalhadores".
Conceitualmente questionável, pois o que
Souza chama de "batalhadores" é o novo proletariado urbano, que
desde sua pré-existência, o que remonta o início do século 19 sempre foi
"batalhador", como afirma a também socióloga Maria Lúcia de Santana
Braga.
Maria Lúcia diz que há pontos interessantes
nos conceitos apresentados por Jessé Souza. Divergências à parte, vale a pena
ler a íntegra da entrevista que reproduzimos abaixo. Dá um bom e interessane
debate. Boa leitura!
É um
erro falar que existe nova classe média, diz sociólogo
Por Uirá Machado,
na Folha de S.Paulo
Autor do livro "Os Batalhadores
Brasileiros", o sociólogo Jessé Souza afirma que a ascensão social de 30
milhões de pessoas no governo Lula não produziu uma "nova classe
média", mas uma classe social diferente, que ele chama provocativamente
de "batalhadores".
Assim como fizera em seu livro anterior,
Souza procura determinar as características dessa classe por um recorte
diferente do que ele chama de economicista e quantitativo, fugindo tanto de
análises pelo consumo e renda quanto de abordagens marxistas
"unidimensionais".
Abaixo, trechos da entrevista sobre a
classe que, para ele, "parece se constituir, com o resgate social da
ralé, na questão social, econômica e política mais importante do Brasil
contemporâneo".
Folha
- Após lançar o livro "A Ralé Brasileira", o senhor agora publica
"Os Batalhadores Brasileiros". Qual a diferença entre a
"ralé" e os "batalhadores"?
Jessé Souza - Os dois livros se enquadram no projeto de longo prazo de estudar as classes sociais mais importantes do Brasil contemporâneo de maneira não economicista e quantitativa, como sempre acontece.
Quando falo em estudos economicistas, penso
tanto nas descrições estatísticas baseadas em níveis de consumo e renda
quanto nas descrições marxistas fundadas numa leitura unidimensional da
realidade.
Alguns desses estudos são importantes como
ponto de partida descritivo, mas o que nenhum deles oferece é uma leitura
sociocultural da realidade que nos possibilite compreender o principal: a
produção diferencial de seres humanos a partir do pertencimento a classes
sociais distintas.
Ainda que a renda seja um componente
importante do pertencimento de classe, pessoas muitos diferentes podem ter
renda semelhante.
Para que possamos explicar e compreender
uma realidade social complexa é necessário penetrar na dimensão mais
recôndita das motivações profundas do comportamento social e nos dramas,
sonhos, angústias e sofrimentos humanos que elas implicam.
O ganho em compreensão em relação a uma
realidade opaca e complexa é insofismável.
Acredito que, por conta desse tipo de
interesse instruído teórica e metodologicamente, foi possível perceber,
talvez pela primeira vez, a existência do um terço de brasileiros excluídos
como uma única classe, ou seja, pelo estudo dos pressupostos afetivos, morais
e emocionais que explicam a origem, a manutenção e o destino social provável
às pessoas dessa classe específica.
No caso da "ralé", formada pela
ausência dos pressupostos que permitem a incorporação das capacidades
exigidas pela sociedade competitiva moderna, é possível perceber a irmandade
entre pessoas que moram no interior do Piauí ou na periferia de São Paulo
quando a regra é a fragmentação e, portanto, a cegueira da percepção.
É essa cegueira que percebe essa classe de
abandonados sociais apenas no registro espetacularizado e manipulador da
oposição polícia/bandido, aprofundando todos os preconceitos das classes do
privilégio contra esses esquecidos, explorados como mão de obra barata por
esses mesmos privilegiados.
O ganho em termos de uma percepção
alternativa, totalizadora e crítica da realidade social como um todo não é
pequeno.
No caso dos "batalhadores", esse
mesmo ponto de partida nos permitiu, na contramão dos estudos dominantes
sobre esse assunto, perceber tanto o potencial de chance e de oportunidade
que efetivamente existe nessa nova classe que se constitui defronte os nossos
olhos quanto articular a dimensão do sofrimento e dor humanos
sistematicamente silenciados por uma leitura superficial e triunfalista da
realidade.
Folha
- Em seu livro, o senhor questiona a afirmação de que o governo Lula alçou 30
milhões de brasileiros à classe média e diz até que se trata de uma mentira.
Por quê?
Souza - Eu não nego que houve uma efetiva ascensão social de 30 milhões de brasileiros nem que esse fato seja extremamente importante e digno de alegria. O que questiono é a leitura dessa classe como uma classe média.
A classe média é uma das classes dominantes
em sociedades modernas como a brasileira porque é constituída pelo acesso
privilegiado a um recurso escasso de extrema importância: o capital cultural
nas suas mais diversas formas.
Seja sob a forma de capital cultural
técnico, como na "tropa de choque" do capital (advogados, engenheiros,
administradores, economistas etc.), seja pelo capital cultural literário dos
professores, jornalistas, publicitários etc., esse tipo de conhecimento é
fundamental para a reprodução e legitimação tanto do mercado quanto do
Estado.
Consequentemente, tanto a remuneração
quanto o prestígio social atrelados a esse tipo de trabalho - e da condução
de vida que ele proporciona - são consideráveis.
A vida dos "batalhadores" é
completamente outra. Ela é marcada pela ausência dos privilégios de
nascimento que caracterizam as classes médias e altas.
E, quando se fala de "privilégios de nascimento", não se está falando apenas do dinheiro transmitido por herança de sangue nas classes altas. Esses privilégios envolvem também o recurso mais valioso das classes médias, que é o tempo.
Afinal, é necessário muito tempo livre para
incorporar qualquer forma de conhecimento técnico, científico ou
filosófico-literário valioso.
Os batalhadores, em sua esmagadora maioria,
precisam começar a trabalhar cedo e estudam em escolas públicas muitas vezes
de baixa qualidade.
Como lhes faltam tanto o capital cultural
altamente valorizado das classes médias quanto o capital econômico das
classes altas, eles compensam essa falta com extraordinário esforço pessoal,
dupla jornada de trabalho e aceitação de todo tipo de superexploração da mão
de obra.
Essa é uma condução de vida típica das
classes trabalhadoras, daí nossa hipótese de trabalho desenvolvida no livro
que nega e critica o conceito de "nova classe média".
Folha
- Qual o ganho analítico de enxergar os batalhadores como uma classe
diferente da classe média tradicional? E quais as implicações que essa
diferenciação traz para o governo Dilma?
Souza - O ganho é tanto analítico quanto político.
Essa diferenciação permite, em primeiro
lugar, perceber a realidade social como ela é, com suas ambiguidades e
contradições constitutivas.
Depois, como em toda leitura sóbria da
realidade, ela possibilita criticar todo tipo de manipulação política ou de
leitura triunfalista da realidade.
Com relação não apenas ao governo Dilma,
mas em relação ao futuro do Brasil, essa nova classe de trabalhadores, típica
do novo tipo de capitalismo financeiro que logrou se globalizar, parece se
constituir - com o resgate social da ralé - na questão social, econômica e
política mais importante do Brasil contemporâneo.
Para mim, existem duas alternativas
possíveis: a primeira é essa classe ser cooptada pelo discurso e prática
individualista e socialmente irresponsável que caracterizam boa parte das
classes dominantes no Brasil; a segunda alternativa é essa classe assumir um
papel de protagonista e inspirar, pelo seu exemplo social, a efetiva redenção
daquela classe social de humilhados sociais que chamo provocativamente de
ralé.
Muitos dos batalhadores que entrevistamos
vinham, inclusive, da própria ralé, mostrando que as fronteiras entre as
classes são fluidas e que não existem classes condenadas para sempre.
Esse ponto me parece fundamental, já que é
precisamente a existência desses abandonados sociais - e não qualquer tipo de
patrimonialismo advindo de um suposto "mal de origem" português,
como ainda hoje acredita nossa ciência social dominante - o que nos separa
das sociedades mais igualitárias e socialmente mais justas do globo.
Folha
- Quando o senhor afirma que os batalhadores alcançaram um "lugar ao sol
à custa de extraordinário esforço", o senhor não está assumindo a tese
do mérito individual, a qual o senhor habitualmente critica?
Souza - Quando critico a ideologia do mérito individual, não estou negando a extraordinária importância do esforço individual, nem, muito menos, a necessidade de reconhecimento social efetivo para os desempenhos singulares em qualquer área da vida.
Qualquer noção de justiça social moderna
tem que articular responsabilidade social e reconhecimento dos desempenhos
singulares e extraordinários.
Há que proteger tanto a ideia de que somos
responsáveis uns pelos outros quanto estimular o esforço pessoal.
Quando critico a ideia de mérito
individual, é apenas pelo seu uso amesquinhado como ideologia, ou seja, como
falsa percepção da realidade.
É muito diferente quando uma classe inteira
de privilegiados de nascimento, com boas escolas, estimulados em casa o tempo
todo, com tempo livre desde sempre para fazer o que bem entende e dinheiro
para investir em cursos de línguas e pós-graduações valorizadas, chama o
próprio sucesso de mérito individual e ainda acusa as classes que não tiveram
acesso a qualquer desses privilégios sociais de preguiçosos, burros e
culpados pelo próprio fracasso.
A tese do mérito individual que crítico é,
portanto, herdeira do modo como o liberalismo sempre foi recebido no Brasil:
um discurso para legitimar os privilégios de nascimento das classes
abastadas, como se esses privilégios decorressem do esforço apenas de
indivíduos, e não da herança de sangue e de classe.
No estudo dos batalhadores, o que
impressionou foi o extraordinário esforço de superação de condições
efetivamente adversas, todas contribuindo antes ao desânimo e ao desespero do
que ao enfretamento corajoso das condições negativas ao sucesso social e
econômico.
O título do livro foi uma homenagem à luta
cotidiana e silenciosa desses brasileiros.
Este termo "batalhadores"
sinaliza o fato de que o que perfaz o cotidiano dessas pessoas é a necessidade
de "matar um leão por dia" como forma de vida de toda uma classe
social que tem que lutar diariamente contra o peso da própria origem.
Folha
- Nos casos empíricos de seu livro, há operadores de telemarketing, uma
profissão relativamente nova, e feirantes, ocupação bem antiga. Como as duas
funções aparecem juntas para caracterizar tipos de uma nova classe social que
é tão conforme o modelo atual do capitalismo?
Souza - Para responder a esta pergunta, temos que compreender, antes de tudo, ainda que sucintamente, o que significa "modelo atual de capitalismo", de modo a podermos compreender de maneira mais adequada como essa "nova classe trabalhadora" se torna, não só no Brasil, mas em todos os países emergentes, como China e Índia, sua classe suporte, como diria Max Weber, mais típica.
O que hoje é chamado por muitos de
"capitalismo financeiro" representa um movimento que começa nos
anos 80 no mundo e se propaga nos anos 90 entre nós. O pano de fundo desse
movimento eram taxas de lucro decrescentes em nível mundial já havia décadas.
Mas as mudanças não foram apenas nem
principalmente de retórica política. Elas comandaram transformações profundas
tanto na forma de produção de todo tipo de mercadoria quanto no regime de
trabalho.
Ao fim e ao cabo, o conjunto de mudanças
apontou no sentido de um aumento da velocidade de circulação do capital, em
grande medida determinado pelos cortes com gastos de controle e supervisão de
trabalho, que caracterizavam a produção do tipo fordista tradicional, como
existe ainda hoje, por exemplo, em algumas indústrias automobilísticas.
Amplos setores da produção de mercadorias
de todo tipo são realizados agora por trabalhadores em fábricas a céu aberto
ou pequenas unidades familiares que se acreditam, inclusive, empresárias de si
próprias, o que explica, também, que o epíteto de "nova classe
média" tenha caído tão rápido no gosto de todos, inclusive dos próprios
batalhadores.
Na verdade, o capital financeiro que flui
sem qualquer controle por todos os pontos do globo pode, agora, se valorizar
a taxas de lucros e juros sem precedentes também a partir de atividades
realizadas por um exército mundial de trabalhadores - que abundam
precisamente nos países populosos ditos emergentes - sem direitos
trabalhistas, sem passado sindical e sem tradição de lutas políticas, que
muitas vezes não pagam impostos, que trabalham de dez a 14 horas ao dia e
ainda nem sequer precisam de capatazes ou supervisores, porque se acreditam
"livres" e patrões de si mesmos.
Essa mudança abrange não apenas as "novas
atividades", como as da informática, mas também redefinem e transformam,
inclusive, atividades tradicionais, como a dos feirantes.
Folha
- Quais são os valores dessa classe batalhadora?
Souza - Em primeiro lugar, há que ficar bem claro que uma pesquisa sobre valores sociais profundos, como a que realizamos, não pode imaginar que esses valores sejam de fácil acesso e estejam na cabeça das pessoas de modo claro e óbvio.
Ao contrário, como diria Max Weber, a
primeira necessidade dos seres humanos não é a de dizer a verdade - muito
menos a verdade sobre si mesmos - mas sim justificar e legitimar a vida que
realmente levam.
Por conta disso, uma pesquisa de sociologia
crítica é diferente de uma pesquisa meramente quantitativa. Nas pesquisas
quantitativas podemos saber, por exemplo, em quem as pessoas vão votar ou que
sabonete elas usam, precisamente porque suas autoimagens quase nunca estão em
jogo nesse tipo de questão.
Quem se interessa em perceber os estímulos
mais profundos da conduta social, ao contrário, tem que realizar um esforço
interpretativo e hermenêutico que as pesquisas quantitativas comuns não fazem
e perceber os valores na prática cotidiana efetiva da vida das pessoas.
Afinal, valores são aquilo que nos conduzem para um lado e não para outro da vida, mesmo que de modo pré-reflexivo ou inconsciente.
Nós optamos por analisar a vida no trabalho
e na família de nossos informantes, de modo a retirar dessas esferas
fundamentais os impulsos e estímulos práticos - os tais "valores"
na nossa visão - da conduta de vida.
Neste particular, o horizonte valorativo
dos batalhadores pode ser mais bem percebido no confronto com os membros da
ralé.
A principal diferença em relação aos
excluídos e abandonados sociais é a constituição de uma ética articulada do
trabalho duro.
Afinal, não basta querer trabalhar em
qualquer área da vida. É necessário também poder trabalhar, ou seja, ter
logrado incorporar (literalmente "tornar corpo", de modo
pré-reflexivo e automático) os pressupostos emocionais e morais do trabalho
produtivo no mercado competitivo.
O capitalismo atual pressupõe crescente
incorporação de distintas formas de conhecimento e de capital cultural como
porta de entrada em qualquer de seus setores competitivos.
Como esses pressupostos faltam por diversos
motivos à ralé, esta é condenada aos trabalhos braçais ou com mínimo de
conhecimento, servindo, portanto, de mão de obra barata para qualquer serviço
duro, desvalorizado e pesado.
Esse não é o único horizonte dos
batalhadores.
Os batalhadores são quase sempre vindos de
famílias pobres, mas, no entanto, bem estruturadas, com os papéis de pais e
filhos reciprocamente compreendidos, exemplos de perseverança na família e
estímulo consequente - baseado em exemplos concretos - para o estudo e para o
trabalho.
Temos nas famílias dessa classe a
incorporação e internalização efetiva da tríade disciplina, autocontrole e
pensamento prospectivo que sempre está pressuposta tanto em qualquer processo
de aprendizado na escola quanto em qualquer trabalho produtivo no mercado
competitivo.
Sem disciplina e autocontrole é impossível,
por exemplo, concentrar-se na escola --daí que os membros da ralé diziam
repetidamente que "fitavam" o quadro negro por horas sem aprender.
Essa "virtude" não é natural,
como pensa a classe média que universaliza indevidamente às outras classes
suas virtudes e privilégios para depois culpar a vítima do abandono social,
como se o abandono e a miséria fossem uma escolha.
Por outro lado, sem pensamento prospectivo
- ou seja, a visão de que o futuro é mais importante do que o presente - não
existe sequer a possibilidade de condução racional da vida pela
impossibilidade de cálculo e de planejamento e pela prisão no aqui e agora.
No caso dos batalhadores, a incorporação
dessa economia emocional e moral mínima é duramente conquistada, às vezes no
horizonte do aprendizado familiar, às vezes tardiamente, nas mais diversas
formas de socialização religiosa.
Assim, ainda que falte a essa classe o
acesso às formas mais valorizadas de capital cultural --monopólio das
"verdadeiras" classes médias - não lhes falta força de vontade,
perseverança e confiança no futuro, apesar de todas as dificuldades.
Em um contexto minimamente favorável, como
o que vivemos até agora, esse exército de batalhadores se mostra então
disponível e atento à menor possibilidade de trabalho rentável e de melhoria
das condições de vida por meio, por exemplo, do consumo de bens duráveis que
antes lhes eram inatingíveis.
Folha
- Durante as eleições deste ano, alguns debates ganharam fortes contornos
religiosos, como foi o caso da discussão sobre o aborto. A religião é mais
importante para os batalhadores do que para a classe média tradicional?
Souza - O tema da religião é tão importante para essa classe que até dedicamos toda uma parte do livro a esta temática. Além disso, a socialização religiosa dessa classe perpassa boa parte dos textos construídos a partir das análises empíricas.
É preciso cuidado com esse tema, já que ele
pode servir para que se construa uma nuvem de preconceitos contra essa
classe.
É, sem dúvida, correto que as religiões
evangélicas - como, aliás, todas as religiões em alguma medida - exigem o
sacrifício do intelecto, o que, efetivamente, não ajuda no exercício da
tolerância nem no desenvolvimento das capacidades reflexivas dos seres
humanos.
Em troca, no entanto, essas religiões
oferecem o que a sociedade como um todo, o Estado ou mesmo algumas das
famílias menos estruturadas dessa classe jamais deram a eles: confiança em si
mesmos, autoestima, esperança e a força de vontade para vencer as enormes
adversidades da vida sem privilégios de nascimento.
Nesse sentido preciso, tudo leva a crer que
a religião seja efetivamente mais importante para esses setores do que para
as classes médias estabelecidas, ainda que nunca tenhamos feito nenhum estudo
sistemático. Mas me parece uma hipótese plausível.
E não apenas as religiões evangélicas, que
são muito importantes especialmente nos núcleos urbanos. Também a religião
católica, no interior do Nordeste, ainda muito forte e atuante, cumpre uma
função fundamental de baluarte da solidariedade familiar e como fundamento de
uma ética do trabalho em muitos aspectos semelhantes à ética do
protestantismo.
Folha
- Se é verdade que a classe batalhadora não é uma classe média em sentido
tradicional, e se aí vai uma crítica, não é possível ao menos imaginar que os
filhos dos "batalhadores" terão melhores oportunidades que seus
pais? Nesse sentido, a crítica não perderia sua força? Não é possível
imaginar que a ascensão à classe média se dará em "duas etapas"?
Souza - Sem dúvida que isso é possível. Até porque o Brasil é um país singular no sentido de ser extremamente desigual e, ao mesmo tempo, apresentar forte mobilidade social muitas vezes ascendente.
É preciso, no entanto, também levar em
consideração que uma concepção sociocultural das classes sociais implica a
percepção de que as mudanças sociais tendem a preservar aspectos importantes
da história e da tradição das classes sociais envolvidas nessas mudanças.
Como nos constituímos como seres humanos de
modo antes de tudo afetivo e emocional, pela incorporação insensível e
pré-reflexiva daquilo e de quem amamos, somos sempre muito mais parecidos com
nossos pais - ou de quem quer que tenhamos recebido afeto e amor - do que as
vezes muitos imaginam.
Mas o que é importante é que as mudanças
sociais e pessoais são, sim, sempre possíveis. Mais importante ainda é
lembrar que as mudanças sociais jamais acontecem apenas pelo jogo das
variáveis econômicas.
O aprofundamento dos processos de
aprendizado social e político que o Brasil começa a realizar são também
fundamentais para a constituição de uma sociedade em que todos tenham efetiva
condição de participar da competição social com um mínimo de igualdade de
condições, que é o que muitos entre nós desejam.
Folha
- A nova classe batalhadora faz surgir um novo tipo de preconceito no Brasil?
Souza - Sem dúvida. Basta olhar qualquer das revistas que analisam o padrão de consumo dessa classe sob a égide da visão de mundo da classe média estabelecida. Ela aparece sempre como um tanto vulgar e sem o "bom gosto" que caracterizaria os estratos superiores.
Como regra geral, as classes superiores se
veem sempre como as "classes do espírito", da personalidade
refinada e sensível, e percebem as classes baixas como as "classes do
corpo" e, portanto, rudes, primitivas e sem refinamento.
Folha
- Uma das características dos "batalhadores" parece ser a
precariedade da situação econômica e social. De que forma o governo pode
melhorar ou piorar a situação dessa classe?
Souza - Eu acho fundamental o aprofundamento mais consequente tanto da política social --no sentido de que apenas uma pequena ajuda econômica tópica não irá retirar o um terço de brasileiros da exclusão e do abandono-- quanto de políticas de crédito e de estímulo aos batalhadores.
A "parte de baixo" da população
brasileira tem demonstrado sobejamente que consegue transformar qualquer
pequena ajuda em progresso social e econômico significativo que interessa e
beneficia a todos os setores da sociedade inclusive os superiores.
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